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Lua: PIT STOP ou minguante perpétua?

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LUA: PIT STOP OU MINGUANTE PERPÉTUA?

Há um evento a caminho. Para o mal não há remédio, basta ser humano e ter vontade, esse atributo intrínseco à espécie, vestíbulo onde o sonho se compõe e recompõe antes de adentrar o edifício inóspito da realidade.

O objeto desta vez é a lua. A “nossa lua”, a lua dos amantes de outrora, a mesma lua que os nossos ancestrais ainda curvados e peludos, as testas recuadas e o olhar simiesco, miravam com admiração e temor, à borda das cavernas, nas noites claras e terríveis das planícies inóspitas, infestadas de feras.

Seguindo os passos dos Estados Unidos, da antiga União Soviética e da China, em julho de 2023 a Índia pousou uma sonda na lua, valendo-se de um orçamento reduzido e de um admirável avanço científico. Foi o primeiro país a pousar no polo sul, localizado no lado oculto do satélite. O bilionário Elon Musk, como todos sabem, anda soltando seus foguetinhos por aí. Nações como o Reino Unido, os Emirados Árabes, a Turquia e mesmo o Brasil, mantêm seus olhos ansiosos voltados para Selene. Está reaberta, então, ao que parece, a temporada das missões espaciais com destino à lua.

O objetivo que norteia todo esse frenesi pode ser resumido em duas palavras: gravidade e combustível. Os lançamentos atuais de foguetes a partir da superfície terrestre são o que são: lançamentos. Foguetes são lançados assim como pedras são arremessadas por estilingues: com ímpeto suficiente para superar a força de retenção da gravidade. Imensas aeronaves são projetadas para acomodar toneladas de combustível, o que implica um custo exorbitante para qualquer proposta ou iniciativa, pública ou privada.

Por esse motivo, a Nasa, através de suas missões Artemis, pretende unir-se a parceiros comerciais e estabelecer presenças de longo prazo na lua, sustentadas, em parte, pela exploração do turismo espacial. Mas a que custo? Quanto combustível seria necessário para enviar um grupo de turistas à lua e fazê-los retornar sãos e salvos à Terra? É aí que entra a fase mais ambiciosa – e a meu ver, a mais crítica – do projeto norte-americano: a mineração de recursos da lua.

Sim, a Nasa pretende minerar a lua no próximo decênio. Está nas manchetes. É um fato e uma fatalidade. Em cada calendário afixado sobre cada mesa nos escritórios da Nasa há um X sobre o ano de 2032, o marco da reconquista, o ano em que as bandeiras com listras e estrelas desbotadas espetadas no satélite a partir do final da década de 60 serão substituídas por outras, novas e reluzentes, provavelmente fabricadas, como as primeiras, em New Jersey, e subtraídas das prateleiras de alguma loja da Sears.

A intenção primordial da agência espacial norte americana seria explorar a água contida nas crateras próximas aos polos lunares, a qual seria decomposta em oxigênio, essencial para a implantação das futuras colônias humanas no satélite, e hidrogênio – que, de forma muito simplificada, pode ser traduzido como força de empuxo ou combustível para foguetes. O resultado disso seria a possibilidade de se construir aeronaves compactas que exigiriam menor massa de combustível para vencer uma força gravitacional equivalente a um sexto da que temos na Terra. Nosso novo destino seria, então, em uma etapa futura, o planeta vermelho.

Mas, há outro motivo para o interesse na exploração lunar: o lucro, obviamente. A lua é rica, dentre outros minérios, em ferro, ouro, platina e elementos químicos extraídos de terras raras, como lantânio, cério e neodímio, que possuem propriedades inusitadas e se prestam a inúmeras aplicações tecnológicas, como a confecção de superímãs e de motores de carros elétricos.

A partir daí esbarramos em outro assunto não menos complexo, e que diz respeito à questão da soberania. Tratados, a História nos mostra, costumam ser redigidos por tratantes. Basta lembrar o pacto soviético finlandês de não agressão, assinado em 1932 por representantes da Finlândia e da União Soviética e desrespeitado de forma sórdida por Stalin em 1939, em nome de seus interesses geopolíticos. Esse é apenas um exemplo do que é capaz a hipocrisia humana.

A propósito, o Tratado da Antártida só se mantém porque foi firmado sobre interesses científicos, não exploratórios. Mesmo assim, há países que reivindicam soberania sobre o continente gelado. Imaginemos agora várias potências da Terra estabelecendo suas bases na lua, como uma multidão de banhistas a brandir seus guarda-sóis coloridos em busca do melhor espaço em uma praia cuja extensão não excedesse, hipoteticamente, meros cem metros quadrados.

Com base nos dados contundentes relativos ao aquecimento global, nos encontros e desencontros entre as potências mundiais – desde a Conferência de Estocolmo, passando pelo Protocolo de Kyoto, pelas COPs, pelo Acordo de Paris etc – e nos recordes climáticos que são quebrados dia após dia, a nos indicar que a janela do tempo se fecha rápida e inexoravelmente, guiando-nos para um ponto sem volta na crise climática, não é difícil imaginar o caos que se produziria quando essas mesmas potências globais se estabelecessem na superfície lunar, cada qual com os seus interesses pré estabelecidos..

O mito da lua-queijo-suíço se tornaria, então, uma realidade. O nosso satélite natural seria esburacado até o limite, a fim de que se extraísse dele a última partícula de metal precioso. E, décadas depois desse grande passo dado pela humanidade, ao olharmos para o céu nos defrontaríamos com uma lua física e eternamente minguante, esfacelada pela desmedida ambição humana. As marés se modificariam, o eixo da Terra se tornaria instável, as transições vitais de muitos animais – migrações, hibernação, ciclos reprodutivos e de caça – se alterariam drasticamente, e as novas condições climáticas do planeta nos deixariam com saudade da crise atual pela qual passamos.

O planeta vermelho que se cuide…

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