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Preconceito linguístico: cê vai entrar nessa?

Preconceito linguístico

Sumário

Preconceito linguístico: cê vai entrar nessa?

      Outro dia estava ouvindo uma entrevista na rádio quando o entrevistado disse que a empresa dele era “indôni”. Imaginei que ele queria dizer “idônea”. Mas o fato é que, instantaneamente, caí na gargalhada. Então, me lembrei que quando cheguei a Tubarão, há 30 anos, achava muito engraçado quando entrava em uma loja e a atendente me perguntava “o que faltou?”. Será que sou preconceituosa quando se trata de um erro gramatical ou um regionalismo?

     Na vastidão da língua portuguesa, existe um universo de sotaques, gírias, expressões regionais e, claro, erros gramaticais. Mas quem decide o que é certo e errado quando falamos? O preconceito linguístico é mais do que uma questão de gramática; é uma questão de poder, identidade e inclusão.

     O Brasil é um país de dimensões continentais e, como tal, possui uma grande diversidade linguística e cultural. Por ter morado em diferentes regiões de nosso país, tive oportunidade de ter contato com diversos sotaques e expressões. Lembro-me de um certo preconceito que sofri dos meus colegas quando me mudei de Bagé (RS) para São Paulo. A maioria fazia graça quando eu falava com o sotaque do sul, ou dizia alguma expressão que eles desconheciam, como “bah”, “capaz”, “guria”. Eu ficava um pouco incomodada, mas levava na brincadeira. Ao final de alguns meses já tinha acrescentado ao meu vocabulário várias expressões paulistanas, né “meu”.

     Quando morei em Angra dos Reis (RJ) costumava usar o “tu” como fazem os cariocas, com o verbo na terceira pessoa do singular: “tu vai”, “tu sabe”, “tu quer”, “tu pode”. Conforme fui crescendo e conhecendo as diferentes regiões, fui me dando conta da riqueza de nossa língua portuguesa. Nossa diversidade linguística é um reflexo da nossa própria diversidade  como sociedade.

O mais curioso é que a própria norma culta não é estática. A língua evolui, e o que hoje é considerado erro pode, amanhã, ser a regra. Afinal, quem diria que uma palavra tão usada atualmente como “você” seria aceita um dia? No período medieval, “Vossa mercê” era uma forma de tratamento respeitosa, utilizada para se dirigir a pessoas de prestígio e importância. Com o tempo, essa expressão começou a ser simplificada na fala cotidiana, passando por várias etapas intermediárias. Primeiramente, “vossa mercê” foi abreviado para “vosmecê”. Em seguida, numa busca por maior eficiência comunicativa e rapidez na fala, a expressão foi novamente simplificada para “vosmicê”. A tendência de encurtamento das palavras continuou, e “vosmicê” se transformou em “você”. Finalmente, na linguagem coloquial e falada, “você” ainda pode ser reduzido a “cê”. Esse processo de simplificação demonstra a tendência natural da língua de adaptar-se às necessidades de quem fala.

    Nos darmos conta do preconceito linguístico é um passo crucial para construir uma sociedade mais justa e inclusiva. É muito mais interessante celebrar nossas diferenças e ver nelas uma oportunidade de enriquecimento mútuo. E, sobretudo, lembrar que a língua é viva e pulsante, assim como as pessoas que a falam. A resistência a essa evolução é, muitas vezes, uma resistência à mudança social. Afinal, a língua é uma ferramenta de comunicação e não uma arma para segregar.

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